O CAMINHO PARA DEUS ACONTECE IN OBLIQUO; JAMAIS SERÁ IN RECTO
Li esta frase em um artigo, estudando a estrutura narrativa de Gênesis 4:1-12, a famosa história de Caim e Abel. Vocês a conhecem: Caim matou a Abel, seu irmão, porque Deus recebeu a oferta de Abel e preteriu a de Caim. Certo? Bom, numa leitura superficial esse deus apresenta-se um tanto arbitrário, faccioso e injusto. Mas olhemos com mais calma.
Caim, o primogênito de Eva (havah), era o preferido da mãe, aparentemente. Ela o havia adquirido (qaniti) com Deus, preenchendo o vazio de seu universo maternal. Abel (habel), o mais novo, não possuía tanta significância assim. A raiz de seu nome deriva de hebel – sopro, hálito. Assim ele passa, como um sopro na narrativa, sem dizer uma palavra. Mas também sua natureza apresenta a fragilidade do vento, sua figura é imperceptível e fugaz. Temos aqui dois irmãos: um mais velho, agricultor sedentário, preferido de todos; o outro, mais novo, frágil, pastor de ovelhas e pouco considerado.
Sem entrar em mais detalhes , Caim mata Abel após reconhecer que Deus havia “olhado” para a oferta do mais novo e preterido a sua. Não acredito que a diferença resida nas ofertas, mas nos ofertantes. E a chave da narrativa está no v. 8, após o fratricidio, quando Yahweh pergunta a Caim: “onde está teu irmão?”. Sim, a oferta de Abel foi recebida como a oferta do menor, do mais fraco, do pequeno; a de Caim, preterida, como oferta exterior, escamoteando a desunião interior. Não havia fraternidade e solidariedade no coração de Caim. Sua oferta era resultado de um coração fechado ao seu “irmão”.
Com isso retornamos à frase inicial: o caminho para Deus passa pela consideração do “outro”. Maus relacionamentos não podem ser curados por ofertas exteriores: é no caminho da comunhão fraterna e do cuidado do mais fraco, da consideração do que está do nosso lado, que encontramos o verdadeiro Deus. Uma religião egóica, formal, excitada pelo rito e cega para o “irmão” não tem razão de ser. Ela é fratricida, não importa a qualidade da oferta.
Pastor Marcone Luiz Baima Pessoa Júnior
Aluno egresso do Seminário Equatorial